"Dizem eles
que a criminalização da homofobia levará
à prisão em massa de pastores e padres, e viveremos
todos sob o domínio gay. A história ensina que
essa lei será aprovada, e a vida seguirá seu curso
regular, sem nada de extraordinário"
Em 1946, quando os
negros reivindicaram a inclusão de alguns direitos na
Constituição, foi um salseiro. Foram acusados
de antidemocráticos e racistas por congressistas e estudantes
da UNE. Em 1988, a Constituição promoveu o racismo
de contravenção a crime. Ninguém chiou.
Na década de 50, quando se discutia o divórcio,
teve cardeal dizendo que se devia pegar em armas para combater
a proposta. Em 1977, o Congresso aprovou o divórcio.
Não houve tiroteio, e a igreja do cardeal nunca mais
tocou no assunto. Recordar é viver.
Agora, os evangélicos
estão anunciando o apocalipse caso o Senado faça
o que a Câmara já fez: aprovar lei punindo a homofobia
com prisão. A lei em vigor pune a discriminação
por raça, cor, etnia, religião e procedência
nacional. A nova acrescenta a punição por discriminação
contra homossexuais. Cerca de 1 000 evangélicos tentaram
invadir o Senado em protesto. Dizem que a criminalização
da homofobia levará à prisão em massa de
pastores e padres, e viveremos todos sob o domínio gay.
A história ensina que, cedo ou tarde, a lei, ou outra
qualquer com objetivo similar, será aprovada, e a vida
seguirá seu curso regular sem nada de extraordinário.
Os evangélicos
e aliados dizem que proibir a discriminação contra
gays fere a liberdade de expressão e religião.
Dizem que padres e pastores, na prática de sua crença,
não poderão mais criticar a homossexualidade como
pecado infecto e, se o fizerem, vão parar no xadrez.
É uma interpretação tão grosseira
da lei que é difícil crer que seja de boa-fé.
Tal como está,
a lei não proíbe a crítica. Proíbe
a discriminação. Não pune a opinião.
Pune a manifestação do preconceito. Uma coisa
é ser contra o casamento gay, por razões de qualquer
natureza. Outra coisa é humilhar os gays, apontá-los
como filhos do demônio, doentes ou tarados. É tão
reacionário quanto uma Ku Klux Klan alegar que a proibição
da segregação racial fere sua liberdade de expressão.
Querem a liberdade de usar a tecnologia Holerite de cartões
perfurados pela IBM?
Alegam que a liberdade
religiosa fica limitada porque combater o pecado vira crime.
É um duplo equívoco. O primeiro é achar
que uma doutrina de crença em forças sobrenaturais
autoriza o fiel a discriminar o herege. O segundo é atribuir
à lei valor moral. O direito penal não é
instrumento para infundir virtudes. É um meio para garantir
o convívio minimamente pacífico em sociedade.
Matar é crime não porque seja imoral, mas porque
a sociedade entendeu que a vida deve ser preservada. Dúvidas?
Recorram ao Supremo Tribunal Federal. Na democracia, é
assim. Lei não é bíblia de moralidade.
O que essa proposta
pretende dar aos gays, e sabe-se lá se terá alguma
eficácia, é aquilo a que todo ser humano tem direito:
respeito à sua integridade física e moral. Os
evangélicos, pelo menos os que foram a Brasília,
dão prova de desconhecer que seres humanos não
diferem de coisas só porque são um fim em si mesmos.
Os seres humanos diferem das coisas porque, além de tudo,
têm dignidade. As coisas têm preço.
Escreva para o autor no endereço colunadopetry@abril.com.br
Fonte: http://veja.abril.com.br/020708/andre_petry.shtml
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