Pessoal, esse vídeo vai muito além do
inútil blá, blá, blá fundamentalista. Muita informação importante sobre
a sexualidade humana e as loucuras que já foram feitas por gente
preconceituosa.
Existe, sim, uma vertente inclusiva nas discussões bíblicas, mas vale a pena conhecer o que pensam os teólogos inclusivos. ;)
Como religião faz parte da sociedade, é importante que compreendamos o que está em jogo aqui: a liberdade e a dignidade humanas.
Não adoto a fé de nenhuma das partes,
mas reconheço que para quem crê, ter um pastor como Marcio Retamero
(ele aparece aqui no vídeo) é muito mais saudável e mais produtivo.
Para quem não crê, o vídeo acrescenta no quesito cultura geral. Aproveitem, fratres athei (irmãos ateus). J
Diz-se que uma imagem vale mais que mil palavras, mas há palavras que
mil imagens não traduzem: preconceito é uma delas. Ao contrário: as
imagens, sejam quantas forem, podem reforçar aquilo a que se refere a
palavra preconceito. Esta palavra também não pode ser traduzida por
números nem estatísticas. Estes, porém, sempre atraem ou despertam
palavras.
Ontem, por exemplo, no rastro da divulgação, nos principais portais de
notícias, das estatísticas do Grupo Gay da Bahia acerca dos homicídios
motivados por homofobia (o conjunto dos atos – inclusive dos atos
linguísticos - apoiados no preconceito social anti-homossexual, um dos
muitos preconceitos socialmente partilhados), vieram muitas palavras: a
palavra dos leitores da notícia expressa em comentários publicados logo
abaixo da mesma; a palavra dos intelectuais conservadores; as palavras
dos políticos reacionários à esquerda e, principalmente, à direita; a
palavra dos fundamentalistas cristãos católicos e evangélicos; e até a
palavra de um famoso humorista que se diz "politicamente incorreto", mas
que, ao fim e ao cabo, apenas põe seu "humor" a serviço da correção e
da ortopedia moral que há séculos constrangem e estigmatizam, com
violência verbal e/ou física, aqueles "desviantes" da ordem do
macho-adulto-branco-heterossexual-e-cristão (ou seja, as mulheres, os
negros, os judeus, os indígenas, o povo-de-santo, os gays, as lésbicas,
as travestis e transexuais e as pessoas com deficiências; principalmente
os mais pobres dentre esses).
Pode-se dizer que as palavras deles (dos leitores da notícia, dos
intelectuais conservadores, dos políticos reacionários, dos
fundamentalistas cristãos e do humorista) são quase as mesmas - com
variações que dependem do grau de instrução e da posição social que cada
um ocupa – e têm o mesmo objetivo: silenciar LGBTs e reprimir sua
organização política por meio de interpretações deliberadamente
equivocadas das estatísticas divulgadas e da conseguinte desqualificação
das mesmas.
Não repetirei aqui todos "argumentos" dessa gente – até porque seu
preconceito ou má fé não precisa de mais espaço do que já tem! – mas vou
destacar um que é recorrente: a estatística de 336 homicídios em 2012
motivados por homofobia (numa proporção de um homossexual morto a cada
26 horas) seria irrelevante já que, no mesmo período, a taxa de
homicídios em geral é de mais 50 mil. Ora, os porta-vozes desse
"argumento" se não agem de má fé são limitados mesmo. As estatísticas
não dizem apenas que 336 homossexuais morreram ano passado. As
estatísticas dizem que 336 homicídios motivados por homofobia foram
perpetrados em 2012 (o que representa um aumento de 26% em relação a
2011). Ou seja, 336 seres humanos foram assassinados em decorrência de
sua orientação sexual ou identidade de gênero; foram mortos apenas
porque eram gays, lésbicas, travestis e transexuais ou em circunstâncias
em que sua orientação sexual e/ou identidade de gênero
contribuiu/contribuíram decisivamente para o homicídio. Esses crimes não
podem, portanto, ser dissolvidos nas taxas de homicídios em geral cujas
motivações não são a orientação sexual nem a identidade de gênero.
Não conheço até o momento nenhum caso de homem que tenha sido cruelmente
assassinado porque era heterossexual, ou seja, apenas pelo fato de que
gostava de "comer mulher"; tampouco conheço um caso em que um homem
tenha sido morto a pauladas por estar "vestido como homem". Mas posso
citar centenas de casos de homens e mulheres que foram mortos apenas
pelo fato de gostarem de transar com pessoas do mesmo sexo; e posso
citar milhares de caso de pessoas que foram mortas apenas porque estavam
vestidas de acordo com sua identidade de gênero. Esses crimes são
considerados crimes de ódio porque vitima toda a comunidade à que
pertence suas vítimas. Aliás, o fato de se pertencer a essa comunidade é
a razão última do crime. Ora, será preciso desenhar para que essa gente
entenda o que querem dizer as estatísticas?! Se uma imagem vale mais
que mil palavras, talvez eu tente me aventurar pelo desenho pra ver se
consigo sensibilizar esses caras (na hipótese de algum deles ser apenas
equivocado e não estar agindo de má fé)...
E, por falar em imagem, a que ilustra este texto quer valer mais que as
mil palavras não ditas pelo morto retratado. Perdoem-me os mais
sensíveis, mas, numa sociedade devota da imagem como a nossa, "educada"
pela televisão e pela publicidade, a foto chocante de um homicídio
brutal motivado por homofobia talvez sensibilize mais as pessoas do que
todas as palavras já ditas até aqui...
Travesti assassinada em Simões Filho, Bahia
Por mais que eu me esforce, não conseguirei expressar as palavras não
ditas pelos mortos... Aquelas palavras que sucumbem aos números frios
das estatísticas e à tagarelice dos canalhas insensíveis à desgraça
alheia; palavras que expressariam o horror diante da crueldade que põe
fim às vidas e a dor insuportável dos que perderam seus entes queridos
para a violência.
Quem sabe se com essa imagem principalmente o humorista "politicamente
incorreto" e sua claque cruel e sem pensamento mas de riso frouxo não
percebam que não se pode fazer piada da dor dos outros? Sou um homem
esperançado! Mas sou também um ativista: não fico apenas à espera de
dias melhores, atuo para que eles cheguem logo; por isso mesmo,
questionei e questiono os insensíveis e opressores, mesmo que isso
implique em insultos impublicáveis e em injunções ao silêncio do tipo
"você tem que trabalhar para o povo brasileiro e não para a sua classe" –
injunções que nada mais são do que frutos da ignorância sobre o meu
trabalho como parlamentar; da preguiça de se informar mais e melhor; da
despolitização em geral e da falta de raciocínio lógico, uma vez que a
minha "classe" pertence ao povo brasileiro.
De mais a mais, não vejo ninguém reclamar dos parlamentares ruralistas
nem dos evangélicos por defenderem apenas seus interesses em casas
legislativas; logo, ainda que eu atuasse para defender só os interesses
de LGBTs (o que não é verdade; qualquer pesquisa básica mostrará isso),
ainda assim eu estaria honrando o mandato que conquistei no jogo
democrático. Não há insulto ou injunção ao silêncio que me detenha ou
que me impeça de trazer, à luz, a palavra dos mortos!